ESTUDO DA VARIABILIDADE DA FREQUENCIA CARDÍACA EM PACIENTES COM FIBROMIALGIA - EFEITOS DO TREINAMENTO RESISTIDO

Resumo: A fibromialgia (FM) é definida como uma síndrome de dor musculoesquelética generalizada que se caracteriza pela presença de no mínimo 11 de 18 tender points, distúrbio do sono e fadiga, de evolução crônica (Wolfe et al, 1990; Brosseau et al, 2008). Acomete 2,5% da população brasileira (Senna, 2005; Pereira, 2009) e representa 18,2% dentre indivíduos com dor crônica musculoesqueléticas não traumáticas no Estado do Espírito Santo (Pereira et al, 2009). Afeta 2 a 4% da população Americana e a maioria são mulheres. Pessoas de qualquer idade podem desenvolver FM, mas a idade de maior pico é de 35 a 50 anos (Heymann et al 2006; Martinez et al, 2009). A prevalência da FM é provavelmente maior do que a encontrada nos estudos epidemiológicos. Isto porque, estes estudos utilizaram os critérios do ACR 90 que inclui a presença de pontos dolorosos (Wolfe,1990). Porém, há muitos pacientes com fibromialgia com dor difusa sem pontos dolorosos, e há também pacientes com síndrome miofascial, fazendo parte do espectro da fibromialgia. Em um estudo brasileiro a prevalência de FM definida por critério de dor difusa com ou sem pontos dolorosos foi de 5,5 % (Pereira et al, 2009). Além disto, esta síndrome inclui muitos sintomas, o que pode fragmentar a avaliação e retardar o diagnóstico quando predomina algum sintoma especificamente, como fadiga, dor e fraqueza muscular, problemas de memória, parestesias, cefaléia, depressão, ansiedade, alteração do trânsito intestinal, dismenorréia, edema subjetivo, síndrome uretral, dor pélvica, síndrome seca, sintomas estes atribuídos à disfunção do sistema nervoso autonômico (Brosseau et al, 2008,Part 1;Hammond and Kaye,2006; Gowans et at,2002).
De acordo com a maioria dos pesquisadores (Penrod et al,2004; Busch et al, 2007; 2008; Geel et al, 2002; Valim, 2001; Valim, 2006), a taxa de incapacidade entre as pessoas com FM é de 46% e há custos sociais importantes como os diretos (medicamentos, visitas ao médico, exames laboratoriais e de imagem) e os indiretos (faltas ao trabalho, perda de emprego, necessidade de ajuda para fazer as atividades em casa) .
A divisão periférica eferente do Sistema Nervoso Autônomo (SNA) é representada por 2 braços: simpático e parassimpático, que têm ação antagonista nas modificações das funções corporais. Este fato possibilita a manutenção da homeostase, particularmente sobre o controle da Frequência Cardíaca (FC). Na FM observa-se um balanço simpático vagal anormal e a Variabilidade da FC (VFC) é reduzida. Este fato aumenta o risco de morbidade e mortalidade cardiovascular (Coelho et al, 2008; Petzke and Clauw, 2007) .
Diversas manifestações clínicas presentes na FM como fadiga, rigidez matinal, desordens do sono, ansiedade, depressão, síndrome secca, síndrome do colon irritável e também o fenômeno de Raynaud, podem ser explicados pela disautonomia. Por causa destas características clínicas, compatíveis com alterações do SNA, alguns estudos relacionam o envolvimento desse sistema na fisiopatogênese da FM (Tak, 2009; Dogru et al, 2009; Coelho et al, 2008)
Várias formas de mensuração da atividade autonômica têm sido estudadas e validadas como:
1 – Eletroneuromiografia de fibras finas
2 – Doppler cardíaco em condições de estresse e exposição ao frio
3 – Dosagens de catecolaminas
4 – Testes ortostáticos como o Tilt Table Test
5 – Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) através do sistema Holter
6 – Questionário COMPASS (The Composite Autonomic Symptom Scale)
A proposta da disfunção autonômica no principal papel na patogênese da FM é baseada em diversas linhas de pesquisa. Os trabalhos mais consistentes têm suporte em análises da Variabilidade da Frequência Cardíaca (Solano et al, 2009 ; Coelho et al, 2008; Tak et al, 2009 ; Figueroa et al, 2008; Furlan et al, 2005; Martinez,2001).
Este tipo de análise demonstrou alterações da VFC compatíveis com hiperatividade simpática em vários estudos. A atividade simpática excessiva é acompanhada de menor resposta a diferentes tipos de estressores ortostáticos (Ozgocmen et al 2006; Furlan et al,2005 ; Petzke et al,2000)
Solano et al, em 2009, demonstraram que há correlação entre questionários que medem o impacto da qualidade de vida da FM (questionário FIQ) e o questionário que avalia disfunção autonômica (COMPASS). A severidade da FM está relacionada com múltiplos sintomas não dolorosos relacionados com diferentes expressões de disfunção do SNA. Tal correlação sugere que a disfunção autonômica é uma característica essencial da FM.
Pacientes com FM têm alta pontuação na avaliação psicossomática do COMPASS. Isto provavelmente reflete a presença de ansiedade e depressão, dois componentes psicossomáticos que podem levar esses pacientes a superestimar seus sintomas.
Os sintomas de dor difusa crônica, alodínia e parestesias na FM são atribuídos a atividade simpática persistente. A fadiga crônica pode ser explicada pelo “efeito teto” da hiperatividade simpática, em adição a “dessensibilização” do receptor adrenérgico.
Na atualidade, o tipo de vida mais estressante pode contribuir para uma hiperatividade simpática persistente e, indivíduos com o sistema de degradação de catecolaminas geneticamente lento, podem ter um risco maior de desenvolver FM (Vargas-Alarcon et al,2007) .
O recente Consenso Brasileiro para o tratamento da fibromialgia estabelece, baseado em evidência, que pacientes com fibromialgia devam ser tratados com antidepressivos tricíclicos (amitriptilina ou ciclobenzaprina) ou antidepressivos seletivos, preferencialmente “dual”, associados ou não a anticonvulsivantes. Analgésicos podem ser administrados, se necessário. Os exercícios físicos e terapia cognitiva- comportamental constituem tratamento complementar e podem beneficiar alguns pacientes. A estratégia para o tratamento ideal é uma abordagem multidisciplinar com a combinação de modalidades de tratamentos não farmacológico e farmacológico (Koulil, 2006; Heymann et al,2010).
Nos últimos 20 anos, alguns ensaios clínicos foram publicados sobre exercício no tratamento da FM. Em 2008 foi concluído uma extensa revisão por um grande grupo de pesquisadores do Ottawa Hospital Research Institute que resultou no Ottawa Panel Evidence-Based Clinical Practice Guidelines for Aerobic Fitness Exercises in the Management of Fibromyalgia:Part 1(Brosseau et al, 2008) e no Ottawa Panel Evidence-Based Clinical Practice Guidelines for Strengthening Exercises in the Management of Fibromyalgia : Part 2(Brosseau et al, 2008). O objetivo dos dois estudos (Part 1 e 2) foi de fornecer informações de resultados de tratamentos com exercícios aeróbios e resistidos na FM com níveis de evidência para orientação de prescrição de reumatologistas, fisiatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, cinesiologistas e outros profissionais que contribuem no tratamento da síndrome. A revisão avaliou o condicionamento aeróbio (Dadabhoy and Clauw, 2006) e programas combinados ou associados ao tratamento medicamentoso ou outras intervenções não farmacológicas (Isomeri, 1993; Cedraschi et al, 2004; Sencan et al, 2004 ). Exercícios de alongamento foram utilizados como intervenção controle em muitos estudos (Jones et al, 2002; Nativig et al, 1998, Pollock et al ,1998). Poucos avaliaram treino de força (Kingsley et al, 2005; Valim, 2001;2006), todos com tamanho de amostra pequeno.
O exercício resistido é definido como isométrico, isocinético ou com resistência concêntrica / excêntrica com o propósito de aumentar a força máxima gerada por um músculo específico ou grupo de músculos. Pode ser realizado com auxílio de máquinas, pesos livres, bolas (Rooks et al, 2002; Balady et al, 2007; Tritschler, 2003).
A avaliação de força é específica para os grupos musculares que estão sendo testados. É difícil generalizar sobre a força global a partir do resultado para um grupo muscular. Alguns autores acreditam que o teste de 1RM de levantamento supino é o melhor teste isolado para predizer a força dinâmica global (Balady et al, 2007; Tritschler, 2003). Se dois testes são utilizados para avaliar a força dinâmica, o levantamento supino deve ser utilizado para a força da parte superior do corpo e o “leg press” para a parte inferior (Balady et al, 2007; Tritschler, 2003 ).
A força muscular é fundamental para as atividades de vida diária. O treinamento da força muscular pode melhorar a capacidade funcional, a massa óssea, a fadiga e a dor (Hakkinen, 2001;2002; Valkeinen et al, 2005,2006; Brosseau et al, Part 2, 2008 ).’
O condicionamento aeróbio é o tipo de exercício mais estudado e com maior nível de evidência para o tratamento da fibromialgia (Busch et al, 2007; Brosseau et al, Part 1, 2008). Há evidência de que o condicionamento aeróbio supervisionado pode beneficiar pacientes com fibromialgia, melhorando dor e qualidade de vida. O alongamento também mostrou benefício nos grupos controles em análises pré-pós. Com relação a exercícios resistidos o Ottawa Panel demonstrou que há evidências emergentes de que são seguros e podem ser benéficos, entretanto há necessidade de mais ensaios clínicos com tamanho de amostra adequado para avaliar os efeitos clínicos dos exercícios resistidos no tratamento da FM. Permanecem controversos na literatura, quais os mecanismos fisiológicos e da fisiopatogenia que explicam o benefício dos exercícios no controle da dor crônica.
Os exercícios têm o potencial de diminuir a inatividade e o descondicionamento, fatores teoricamente relacionados à diminuição do limiar de dor. Também podem melhorar os fatores psicológicos associados. Os exercícios de treinamento de força ou resistidos podem ajudar os pacientes a realizar com mais facilidade os exercícios aeróbios (Jones, 2002). Além disto, é observado que a fadiga, mais do que a dor, piora a qualidade de vida na fibromialgia. Estes motivos poderiam explicar porque a melhora da força poderia promover melhor qualidade de vida (Valkeinen et al, 2008; Busch et al, 2007).
Há estudos preliminares, não controlados e com tamanho de amostra bem pequeno (até 10 indivíduos) demonstrando que os exercícios de resistência melhoram a força, o tônus cardíaco parassimpático, a variabilidade da FC, a resistência muscular e também aumentam o limiar de dor (Figueroa et al, 2008, Coelho, 2008).
Embora os exercícios físicos sejam a terapia complementar mais recomendada e mais estudada, ainda são necessários estudos que indiquem o melhor esquema de prescrição, que avaliem os efeitos clínicos do treino de força, que avaliem os mecanismos envolvidos nos efeitos terapêuticos.
Nossa hipótese é de que os exercícios de treino de força, utilizando os parâmetros de prescrição bem definidos e de acordo com o ACSM, podem melhorar dor, sintomas associados e qualidade de vida e que a modulação da variabilidade de freqüência cardíaca, ou seja, que um melhor controle autonômico, é um dos mecanismos envolvidos no controle da dor, promovido por este tipo de exercício, na fibromialgia.

Data de início: 2011-07-01
Prazo (meses): 24

Participantes:

Papelordem decrescente Nome
Coordenador Valéria Valim Cristo
Acesso à informação
Transparência Pública

© 2013 Universidade Federal do Espírito Santo. Todos os direitos reservados.
Av. Marechal Campos, 1468 - Bonfim, Vitória - ES | CEP 29047-105